Colecione momentos
Texto por Paola Martins
Tudo o que existe habita este instante. Não há nada lá atrás e nem pela frente, apenas o aqui e o agora. O restante é meramente ilusório e projetivo.
Ainda assim, somos brindados com a memória, que algumas vezes é uma benção, mas que pode muito bem ser uma verdadeira maldição.
De toda a forma, tudo o que podemos lembrar, revisitar através da memória, permanece vive conosco até que o tempo, sempre carrasco, mais dia menos dia, apague as lembranças.
A saudade é um sentimento daqueles que não se permitem viver apenas o presente, mas que constantemente se arremessam em viagens ao passado. E a saudade só dói porque provém de memórias repletas de amor.
O que você lembra quando pensa naqueles que amou ao longo do caminho? O que você traz consigo, em sua constituição num nível quase molecular, daqueles que amou?
Eu lembro do cheio de sal das manhãs de inverno na beira da praia, da música que tocava no momento do meu primeiro beijo, de ter sentido as bochechas esquentarem depois de um certo comentário, de quem me esperou no frio para me trazer de volta para casa, de pedir permissão para um abraço, de olhar nos olhos no meio do parque e apagar o resto do mundo, de perder o fôlego e a fala em um sorriso torto, do frio na barriga de pedir uma foto, do aperto no peito de perder o jogo, do nó na garganta da despedida até uma eventual próxima vida, de caminhar de mãos dadas, de prometer não repetir o erro e errar igualzinho no dia seguinte, de ficar horas falando ao telefone quando isso ainda era muito caro, da jaqueta azul, da casa verde, de pegar no colo quem hoje já dirige, de sofrer ao som da nossa música, de discutir em alto em bom som, de esconder as lágrimas, de aprender a andar de bicicleta, de ter o coração partido, da onda do mar quebrando na minha cabeça quando inventei de surfar, de não ver o tempo passar só jogando conversa fora, da dificuldade que eu tinha para aprender física, química e matemática, do cone de trânsito laranja no porta malas do carro, dos tênis all star, da capa do livro de contos de fadas da princesa e a ervilha e da menina bonita do laço de fita, de aprender a escutar pagode, da primeira vez que vi cada uma das minha paixões, de dançar até cair, de cantar desafinada, do banho de rio e do frio de cada cachoeira.
Trazemos na memória pedaços do quebra-cabeça daquilo o que somos, e este é o ponto de partida para aquilo o que queremos ser.
Do que você se lembra, agora, neste instante?
Tentar negar o passado, soterrar o que nos trouxe até aqui, apenas no condena a repetir os mesmos erros, de novo e de novo, pois não nos dá a chance de aprender com aquilo o que fomos, para possibilitar que nos tornemos, a cada dia mais, o que verdadeiramente somos.
Colecione memórias e momentos, porque nada substitui a experiência como forma de expansão da consciência daquilo o que somos, o que queremos e não queremos, o que nos faz sentido e o que nos faz sentir.
Experiencie: construa tantas, mas tantas memórias com aqueles que você ama, até ser possível gozar do privilégio de sentir saudade.
Deixe-se sentir.
Permita-se ser, em um mundo tão pronto para nos condicionar a apenas existir.
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