Entrelinhas
Texto por Paola Martins
Ninguém gosta do óbvio. Do que está ao alcance das mãos, na altura dos ouvidos, ou diante dos olhos.
Ficamos impelidos a buscar segundos significados, refazer interpretações, ler nas entrelinhas...
Gostamos de mistérios e menosprezamos o poder do concreto, dos fatos, da realidade na exata medida que a enxergamos: sem expansões narrativas para acomodar-se ao nosso plano racional, ou mesmo emocional.
Na maior parte das vezes, um não significa apenas e simplesmente exatamente isso: Não.
Toda a comunicação é custosa, dá trabalho dos dois lados, daquele que fala e daquele que recebe a informação. Mesmo quando desejamos com ardor passar uma certa mensagem, ainda corremos o risco de que transmiti-la de maneira equivocada. Agora imagine o esforço descomunal que todos precisaríamos fazer se nos concentrássemos em comunicar algo em sentido diverso daquilo o que efetivamente se fala...
Parece besteira, não é?
Então porque dedicamos tanto tempo de nossas vidas com suposições, divagações, interpretações que não nos competem, ao invés de apenas aceitar aquilo o que foi dito por aquilo o que foi dito, de fato?
"Ela disse isso, mas acho que, pela forma como disse, o que realmente quis dizer foi outra coisa".
Provavelmente não.
Chances são de que aquilo o que ela disse seja exatamente aquilo o que quis dizer.
As coisas são mais simples do que o emaranhado de complexidade que tão erroneamente tentamos implicar em todas as situações.
Às vezes não existem linhas tortas, mas apenas linhas retas.
Não devemos menosprezar a clareza quando estamos diante dela.
Pelo contrário, devemos valorizar o óbvio, o claro, o evidente, o simples, o singelo, o transparente...
Entrelinhas ficam bem no papel, mas não nas relações humanas que se desenrolam no mundo concreto.
Deixemos as entrelinhas para os poetas, e assumamos o compromisso de, em nossas relações humanas, aceitarmos o dito pela exata medida do que foi falado, nem uma filigrana a mais ou menos, somente o exato.
Isso, por si só, já será um exercício de uma vida inteira, sem precisarmos nos socorrer de confabulações e teorias fantásticas.
O real, sozinho, já é extremamente complexo.
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